Nas últimas semanas participei de eventos ótimos nessas temáticas: Ebooks e direito autoral.
O primeiro evento foi uma meda redonda sobre o Desenvolvimento de Coleções Eletrônicas em Bibliotecas, que ocorreu na UNIRIO, organizado conjuntamente com as escolas de Biblioteconomia da UNIRIO e UFRJ. Na mesa houve a mediação da professora Simone Witzel e a participação da professora Mariana Zattar (UFRJ), Stela Dourado (Unirio), Katiussa Nunes (UFRGS), Lenice Colpo (UFRGS) e Samanta Pontes (UFRJ).
Foi muito bacana a discussão e o interesse do público presente. Acredito que todos os bibliotecários que trabalham com Desenvolvimento de Coleções já bateram cabeça com ebooks. Sai do evento feliz por ter entrado em contato com esse mundo complexo. Modelo de negócio, Backfile, DRM, acesso perpétuo, acesso permanente, são só algumas palavras/conceitos desse mundo dos livros eletrônicos. É um tema rico e que merece mais atenção da nossa classe.
O que ficou claro na discussão é a falta de parâmetros de negociação entre a legislação brasileira e as bases. E contra a crença popular, nem sempre o livro eletrônico é mais barato do que o físico. Atrás de um contrato de ebooks existem muitos custos, alguns inexistentes quando se trata de livro físico.
Um conhecimento importante (inclusive para concursos) é a diferença entre:
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Editor
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Agregador de Conteúdo
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Distribuidor
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Lojas Virtuais
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Autor
Editor – São os responsáveis pelas obras editadas. Podem realizar venda diretamente às bibliotecas ou oferecer suas obras a agregadores, distribuidores ou lojas virtuais. São empresas comerciais, profissionais do mercado do livro. Ao comprar diretamente de editores, a biblioteca elimina a figura do intermediário, podendo negociar melhores preços. Alguns editores, além de ebooks, podem oferecer conteúdo de periódicos, o que é interessante aos bibliotecários. Diversas universidades têm selos editoriais e algumas bibliotecas têm aderido a este movimento, permitindo a comercialização – e posterior uso, sem restrições de acesso – de títulos institucionais. Ao adquirir obras diretamente dos editores, as bibliotecas precisam firmar contrato com diversos fornecedores, cada um com suas condições de uso, o que exigirá gestão e controle por parte dos bibliotecários. Existem editores que se negam a vender diretamente para bibliotecas, tendo seus títulos disponíveis apenas através de agregadores e distribuidores. Ao adquirir de editores e, de acordo com o modelo de negócios contratado, os arquivos podem ficar com a biblioteca ou na nuvem, com controle do fornecedor e serão acessados somente através de plataformas proprietárias, que controlam o acesso através de DRM (Digital Rights Management).
Agregadores de conteúdo – São empresas que representam diversas editoras e oferecem praticamente todos os modelos de negócios existentes. Eles licenciam os conteúdos de diversos fornecedores e os disponibiliza através de sua própria plataforma. O tipo de acesso e os serviços oferecidos aos usuários são refletidos nos valores dos contratos. Ao negociar com um agregador a biblioteca vê-se lidando com um único fornecedor que proporciona acesso a obras de diversas editoras. Por ter grande quantidade de títulos, os preços costumam ser atraentes. Os agregadores normalmente dispõem de metadados para incluir os registros nos OPACs, além de possibilidade de integração com serviços de descoberta. Este ponto é muito importante quando a assinatura pode conter centenas de milhares de títulos. Se a biblioteca for cadastrar os ebooks manualmente – ou mesmo por importação através de fontes idôneas -, não terá terminado de cadastrar todos os registros quando finalizar o período assinado. Por outro lado, existem alguns desafios. Os agregadores não mantém contrato com todas as editoras, portanto pode ser necessário ter contrato com editores ou outros agregadores para oferecer determinados títulos. Por lidarem com grandes volumes de obras, o espaço para negociação de valores é limitado. Caso a biblioteca opte por realizar a aquisição perpétua de alguns títulos, o valor individual das obras pode ser mais elevado que o comparado com a compra através do editor. Os agregadores costumam fechar com as mesmas editoras, portanto é comum que obras iguais sejam oferecidas por fornecedores diferentes. Esta situação é identificada como obras concorrentes. Ao deparar-se com esta situação a biblioteca necessita ter um forte controle do uso que é feito dos ebooks assinados por agregador, para tomada de decisão no momento da renovação da assinatura, avaliando a quantidade de acessos simultâneos, preços para aquisição perpétua, possibilidade de impressão (total e/ou parcial) etc.
Distribuidores- São semelhantes aos agregadores, com a diferença que a ferramenta de acesso utilizada é do editor, visto que eles não possuem plataforma proprietária. Os distribuidores são intermediários entre as bibliotecas e as editoras e também trabalham com os modelos de negócios existentes ao permitir realização de assinaturas, aquisição perpétua, PDA, STL etc. Da mesma forma que os agregadores, os distribuidores permitem que as bibliotecas tenham acesso a obras de diversas editoras através de um único contrato. Costumam ser mais flexíveis nas negociações e também oferecem grande quantidade de títulos. Os distribuidores, por outro lado, nem sempre conseguem oferecer acesso simultâneo das obras assinadas, limitando ao acesso monousuário. Alguns, em semelhança com algumas lojas virtuais, oferecem ferramenta para realização do empréstimo digital (e-lending). Normalmente os arquivos assinados ficam com o fornecedor na nuvem e para aquisição perpétua podem ser baixados aos servidores da biblioteca.
Lojas virtuais- As lojas virtuais podem ser fornecedoras para bibliotecas, porém as possibilidades de assinaturas são limitadas, priorizando a aquisição perpétua, com acesso monousuário aos ebooks. Normalmente realizam convênios com bibliotecas e permitem que seus usuários aluguem livros através de identificação e confirmação do vínculo do leitor com a biblioteca, em ferramentas de empréstimo digital. Esta possibilidade não é presente no Brasil, porém ocorre com frequência nos Estados Unidos, principalmente com a Amazon. Ao adquirir obras por lojas virtuais os arquivos são armazenados no servidor da biblioteca e não na nuvem. Se optar por empréstimo digital, o usuário faz o download da obra e terá acesso a ela por um período determinado. O uso de plataformas proprietárias é constante e, no caso da Amazon, possui, além dela, um formato exclusivo: os ebooks adquiridos desta loja são do formato AZW e apenas são acessados através do Kindle (qualquer geração) ou de aplicativos para tablets, tanto IOS quanto Android, além do DRM. No Brasil o grande problema nas bibliotecas de instituições públicas é a legislação para compra, onde essas lojas virtuais não se enquadram.
Autores- Os autores são outra possibilidade de fornecedor. O fenômeno da auto publicação tem sido bastante discutido, mas não está claro se pode ser considerado como um novo modelo de negócios. Se os autores oferecem suas obras para livrarias virtuais (com diversos autores brasileiros disponibilizando suas obras na Amazon), ou realizam a venda direta às bibliotecas, com a obra aderida ao Creative Commons, gratuita ou a preços baixos, não se pode assumir que este seja um novo modelo de negócios, visto que também podem utilizar o modelo do fornecedor onde o arquivo estiver hospedado, como agregadores, distribuidores ou lojas virtuais. Na auto publicação o autor passa a assumir o papel do editor, negociando suas obras diretamente aos interessados e recebendo remuneração maior se comparado com os valores praticados pelas editoras. Por outro lado, esta autonomia pode representar em perda de qualidade das obras, uma vez que não existe um editor participando do processo. Outro fator importante é a ausência de estrutura, com o próprio autor sendo o responsável pela divulgação de seu trabalho. Tampouco os autores têm clareza da importância de bons metadados para descrever a obra, fator este que se mostra determinante para a encontrabilidade de uma publicação e sua consequente aquisição. Apesar destas questões, a auto publicação tem crescido bastante no mercado. Às bibliotecas cabe o desafio de localizar estas obras – o que normalmente ocorre por indicação de usuários, professores ou dos próprios autores e incluí-las nos acervos. Quando a compra é realizada diretamente através dos autores, normalmente o arquivo é baixado em dispositivos de leitura ou nos servidores da biblioteca, com acesso monousuário.
Recomendo que você acompanhe as atividades do Comitê Brasileiro de Desenvolvimento de Coleções. Acompanhe o blog AQUI e a Página no facebook do Comitê AQUI.
O segundo evento que participei foi o II Seminário Diálogos Biblioo – Direitos Autorais, o que os bibliotecários têm a ver com isso? Realizado na Biblioteca Parque no centro do RJ. Como palestrantes tiver o Briquet de Lemos, Eduardo Magrani e Sergio Branco, esses últimos ambos Co-coordenadores do Creative Commons no Brasil e professores do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV. Foi simplesmente maravilhoso! Todos os palestrantes abordaram a temática de forma ampla e questionadora.
Alguns pontos:
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A lei de direito autoral brasileira é uma das mais duras e inflexíveis do mundo. E super cheia de buracos.
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A propriedade física de um artefato é diferente da propriedade intelectual. Nossa lei não consegue legislar sobre isso.
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Sabe aquela lenda de que é possível tirar cópia de 10% de um livro sem ferir os direitos autorais? Isso não existe na lei de direito autoral. O que está escrito é a cópia de um pequeno trecho. Mas o que é um pequeno trecho? Subjetivo não é?
Recomendo fortemente que vocês conheçam mais sobre o Creative Commons, link AQUI.
Resumo: “A ideia de acesso universal à pesquisa, educação e cultura é possível graças a Internet, mas os nossos sistemas jurídicos e sociais nem sempre permitem que essa ideia seja colocada em prática. Os direitos autorais foram criados muito antes do surgimento da Internet, e podem dificultar a execução de forma legal de ações que tomamos como certas na rede: copiar, colar, editar fonte e publicar na rede. A configuração padrão do direito de autor requer que todas essas ações necessitem de permissão expressa, concedida antecipadamente, se você é um artista, professor, cientista, bibliotecário ou apenas um usuário regular. Para alcançar a visão do acesso universal, alguém precisa fornecer uma infraestrutura livre, pública e padronizada, que cria um equilíbrio entre a realidade da Internet e a realidade das leis de direitos autorais. O CC lhe dá e protege as pessoas que usam o seu trabalho, para que elas não tenham que se preocupar com violação de direitos autorais, desde que respeitem as condições que você tenha especificado.”
Bacana né? E se encaixa perfeitamente no papel do bibliotecário, como mediador e facilitador do acesso a informação. Uma dica: Nos filtros avançados do google você pode buscar só blogs, textos, sons e imagens com licença Creative Commons, o que facilita muita a vida e e livra de enrascadas jurídicas no futuro.
No evento adquiri o caderno especial sobre a temática do seminário. Vale muito a leitura, artigos bem feitos e com conteúdo importante para os bibliotecários. Para ter acesso a esse Caderno Especial tanto na versão online, quanto física você pode adquirir na loja de produtos Biblioo AQUI.
O Moreno Barros publicou no seu perfil pessoal do facebook um texto sobre a edição especial que reproduzo:” A biblioo publicou um caderno especial sobre direitos autorais. Eu contribuí com um artigo explicando a minha perspectiva de pirata soft e como os artistas podem ser recompensados por suas obras. A essência do meu argumento é que os gatekeepers utilizam a proteção dos direitos autorais e o discurso anti pirataria não para ajudar os criadores e artistas, mas para enriquecer-se às custas do talento alheio e das imposições unilaterais aos consumidores de conteúdo. E que eles se tornam desnecessários, se não irrelevantes, no cenário atual da web. Isso vale para todos os grandes players das principais indústrias de conteúdo (acadêmica, cinema, música, livros, etc).
A pirataria retarda as expectativas do capitalismo, por isso é um alvo fácil, um inimigo. o dilema do pirata não está no ato de copiar (o ato de copiar não é encarado como roubo, porque a cópia digital não destitui a posse do produto original, não provoca uma perda tangível sobre outro consumidor) mas em como estabelecer a sustentabilidade de uma gift economy baseada em caridade, onde em um mundo hiperconectado os artistas podem sustentar-se oferecendo seu trabalho a uma rede de generosidade recíproca, sem intermediários.Não vejo saída para os intermediários, mesmo os editores indie. Porque pra manter vivo seu negócio eles precisam continuamente nos convencer de seu papel de filtro de qualidade, o que não faz sentido hoje com a internet.”
E por fim divulgo o vídeo da Suely Ferreira, presidente permanente IFLA/LAC falando sobre a questão do Direito Autoral:
Espero que tenha despertado a interesse nessas temáticas. Nossa área tem tão poucos eventos e fico feliz quando participo dos que contribuem efetivamente para a discussão e crescimento da nossa classe.
Fonte que ajudou na construção desse post:
http://revolucaoebook.com.br/tipos-fornecedores-ebooks-visao-das-bibliotecas/
Ranganathan não faz milagre, estudar sim!
Thalita Gama
Gostei muito, Thalita, bem objetivo e direto seus comentários, estou num GT sobre aquisição de eBooks nas bibliotecas da Fiocruz, por isso está sendo bem esclarecedor. Obrigada!
Obrigada VEra!